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O trabalhismo brasileiro surge juntamente com os avanços do processo de industrialização no Brasil, a partir da década de 1930; ao mesmo tempo em que as reivindicações operárias se tornam cada vez mais constantes no cenário político nacional.

As raízes do trabalhismo brasileiro, entretanto, devem ser buscadas na virada do século XIX para o século XX. É neste período que os (até então poucos) operários nas grandes cidades lutam por melhores condições de trabalho. Estes operários são influenciados basicamente por 3 ideologias que tem origem na Europa: o mutualismo, o socialismo e o anarquismo.

Até 1917, é o anarquismo que ganha os corações e as mentes do movimento operário. As greves deste ano, que estouraram no Brasil inteiro, foram lideradas por anarquistas. A Revolução Russa (que aconteceu no mesmo ano de 1917), modificou as ideias de muitos líderes anarquistas. Para estes, o movimento operário não deveria mais acabar com o Estado, mas tomá-lo. Foi adotado o marxismo-leninismo no lugar do anarquismo.

Durante a chamada “República Velha” (1889-1930) as oligarquias regionais governam o país como se governassem uma empresa privada. Não havia de fato um “Estado Brasileiro”; os que ganhavam as eleições fraudulentas tinham o “direito” de dar a seus apoiadores os mais diversos cargos públicos dos poucos que existiam na época. Amparo social para com os trabalhadores nem se cogitava – as jornadas de trabalho chegavam a durar mais de 12 horas e após anos trabalhando os trabalhadores não tinham direito a qualquer tipo de previdência social.

Nos anos 1920, as contradições da república oligárquica se mostraram mais intensas. No plano político, surgiram muitas dissidências ao projeto dominante da oligarquia de São Paulo – que dominavam política e economicamente o país. Socialmente, o movimento Tenentista mostrava a insatisfação de jovens militares com a política nacional; o mais valoroso líder tenentista é o Cavaleiro da Esperança Luiz Carlos Prestes – que com sua coluna de soldados percorreu mais de 25 mil quilômetros do território brasileiro contestando a política nacional. Enquanto nas galerias de arte, intelectuais, escritores, poetas e pintores prestigiam a Semana de Arte Moderna, nas reuniões operárias surge o Partido Comunista do Brasil (filiado a 3º Internacional).

No fim dos “loucos anos 1920”, vem a maior crise econômica do mundo, iniciada com o crack da bolsa de Nova York. A crise põe em dúvida os rumos da política e da economia brasileira. A oligarquia se dividiu em torno da seguinte questão: que fazer? Continuar com o modelo agro-exportador (prejudicado com a crise), ou investir na diversificação da economia nacional, abrindo espaço para maior industrialização? Com a divisão da oligarquia, rompe-se o pacto café com leite. Parte da oligarquia paulista quer continuar com a economia exportadora do café, outra parte quer investir na industrialização.

Neste complicado jogo intra-oligárquico, os opositores dos paulistas formaram a Aliança Liberal, encabeçada pelo gaúcho Getúlio Vargas, como candidato a presidente nas eleições de 1930. Os paulistas e seus aliados lançaram à presidência o candidato Júlio Prestes. Houve fraude de ambos os lados, mas no fim Júlio Prestes vence.

Vargas e seus aliados da Aliança Liberal recorrem à revolução política: “que se faça a revolução antes que o povo faça”. Mesmo que parte da elite não quisesse uma revolução popular, a Revolução de 1930 foi uma das mais populares da história do Brasil. O povo participou. Operários participaram. A classe média participou. E assim, Vargas se torna presidente. A revolução foi vitoriosa.

O primeiro governo de Getúlio vai de 1930 até 1945. Este período se dividiu em momentos de tensão, de extremismos e de efervescência política. Vargas abraça muitas revindicações do PCB, e quase esvazia o movimento comunista. Com a ascensão do nazi-fascismo na Europa, surge no Brasil o integralismo. Há uma tentativa de revolução comunista em 1935, liderada por Luiz Carlos Prestes, que acaba fracassando. Em 1937, Vargas decreta o Estado Novo. Em 1943 são consolidadas as leis sociais do trabalho que vinham sendo promulgadas desde 1930 com a criação do Ministério do Trabalho – a conhecida CLT: Consolidação das Leis do Trabalho. Também neste período os sindicatos são estimulados. A intensão de Vargas é trazer o movimento operário para dentro do processo de industrialização do país, garantindo boas condições de trabalho aos operários da indústria nascente no Brasil.

Com o fim da segunda guerra mundial, o primeiro governo Vargas chega ao fim. O país clama por uma organização democrática. Vargas é deposto por militares e organiza dois partidos que tem essências distintas: o PSD (Partido Social Democrático), composto por burocratas do Estado Novo e alguns industriais, e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), composto em sua maioria de operários e sindicalistas – que agora se preocupavam em defender o legado varguista da CLT. É no PTB que a ideologia trabalhista vai se desenvolver.

Após a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro, sob a inspiração de Vargas, o trabalhismo passa por três fases. A primeira que vai mais ou menos de 1947 até 1960 é marcada pela sistematização e elaboração da ideologia trabalhista. A segunda fase, que vai de 1960 até 1964 é marcada pela radicalização dos ideais trabalhistas. A terceira fase, de 1979 até 2004, é marcada pela aproximação do trabalhismo com o socialismo.

A fase de 1947 até 1960 tem como principal figura o teórico Alberto Pasuqalini. Trazendo referências que vão do catolicismo progressista ao trabalhismo inglês, Pasqualini elabora uma ideologia trabalhista baseada no que ele chama de capitalismo solidarista. Este capitalismo seria controlado no sentido de se adequar às demandas sociais, diminuindo as desigualdades. O trabalho teria primazia ao capital. Com a morte de Pasqualini, em 1960, a ideologia trabalhista foi se radicalizando muito mais pela prática do que pela teoria. O governo de Leonel Brizola no RS mostrou o quão revolucionário era o potencial do trabalhismo brasileiro. Em 5 anos de governo, Brizola construiu escolas, encampou empresas estrangeiras (antes de Cuba fazer sua revolução!) e realizou uma reforma agrária no Estado; além de garantir a posse ao vice-presidente João Goulart, que tinham sido impedido de assumir por um grupo de militares golpistas após a renúncia de Jânio Quadros – no chamado Movimento da Legalidade. E é exatamente a partir da experiência de governo de Brizola, e com a morte de Pasqualini, que o trabalhismo vai se transformar no projeto mais radical da esquerda brasileira.

Inaugura-se, desta forma, a segunda fase do trabalhista brasileiro. É uma fase curta. Dura somente até 1964, pois foi ceifada por um golpe civil-militar.

Ao tomar posse como presidente em 1961, João Goulart (o Jango) tenta pôr em prática as Reformas de Base. Essas reformas dariam ao Brasil uma nova cara: a de um país mais justo socialmente. Reforma urbana, agrária, econômica e educacional eram as principais pautas das Reforma de Base. Com o golpe, o projeto trabalhista de nação foi suspenso, caiu-se sobre a sociedade uma longa e cruel ditadura que durou até 1985.

Durante a ditadura, haviam apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB); ambos criados pelos militares. Mesmo que muitos trabalhistas tenham ingressado no MDB, este partido não tinha nenhum grande projeto trabalhista para o país. Ironicamente a população dizia que o partido ARENA era o partido do “sim” e o MDB o partido do “sim senhor”.

Enquanto o Brasil ainda vivia sob as torturas da ditadura, Brizola, exilado político, entrou em contato com as ideias de socialismo e social-democracia em vigor na Europa nos anos 1970. Em Lisboa, no ano de 1979, trabalhistas e socialistas brasileiros se reuniram para debater os novos rumos do trabalhismo – uma vez que a ditadura estava desgastada e iniciava um processo (“lento, gradual e seguro”) de abertura política. Neste encontro foi redigida a Carta de Lisboa, que se tornou um documento tão importante para os trabalhistas como é a Carta Testamento de Getúlio Vargas. A partir da Carta de Lisboa, os ideais trabalhistas são retomados, mas desta vez como parte de um projeto mais amplo, onde o trabalhismo é o caminho brasileiro para o socialismo; mas não qualquer socialismo, um socialismo original, tipicamente brasileiro, um socialismo moreno. Diz, a Carta de Lisboa: “impõe-se a nossa defesa dos pobres contra os ricos, ao lado dos oprimidos contra os poderosos”.

Quando Brizola e outros líderes recebem a “anistia” do governo militar brasileiro, eles tentam refundar o PTB, uma sigla carregada de história e simbologia. Entretanto, o próprio governo militar dá as três letras, que para muitos representava o autêntico trabalhismo, a um grupo de direita, que nada tinha a ver com as lideranças que redigiram a Carta de Lisboa. Brizola decide fundar outra sigla com os seus companheiros trabalhistas. Surge assim o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que representa o “auge” da terceira fase do trabalhismo brasileiro.

Em 1982 Brizola é eleito governador do Rio de Janeiro, se candidata a presidente em 1989 e até concorre como vice numa chapa com Lula do PT, em 1998. Ao morrer em 2004, Brizola, o último grande líder trabalhista do Brasil, deixou seu legado – o PDT, partido do trabalhismo e do socialismo brasileiro, partido da esquerda nacionalista.

Nos anos 1990, as esquerdas no mundo sofreram um grande revés, principalmente com o fim do “Bloco Soviético”, que mesmo não representando aquilo que Marx teorizou, eram um contraponto ao capitalismo neoliberal que estava surgindo. Mesmo com a crescente descrença num modelo socialista, o PDT não deixou de sempre revindicar o socialismo como parte de seu projeto para o Brasil.

Passados mais de 10 anos da morte do nosso líder Brizola, é preciso que o partido inaugure uma nova fase. Uma fase mais à esquerda. É preciso romper com o sistema neoliberal, ao mesmo tempo implantar reformas políticas e administrativas para que o Brasil chegue ao ideal socialista que Brizola, Darcy e tantos outros trabalhistas defendiam. É preciso que o partido dê espaço a novas lideranças, verdadeiramente comprometidas com a transformação social. Na atual conjuntura, tanto nacional, como estadual e municipal, na qual a prática tem sido o desmonte do Estado, da educação, o parcelamento dos salários dos trabalhadores servidores públicos, a privatização de nossa soberania nacional só o trabalhismo por sua história e pelo que defende nossos documentos oficiais se apresenta como a alternativa ao modelo perverso que está instalado na política e na sociedade brasileira.

*Fábio Melo é Historiador. Secretário-Geral da Juventude Socialista PDT de Porto Alegre, Secretário Legislativo da Juventude Socialista PDT RS e membro da executiva da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini RS.